Mirando a filiação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para a eleição de 2022, o PTB deu uma guinada ideológica, redefiniu sua política de alianças e iniciou um processo de expurgo de seus principais líderes nos estados.
Comandado pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson, 67, condenado em 2012 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão, o PTB reformou o seu programa e estatuto e abraçou o conservadorismo.
Atraiu políticos das franjas mais radicais do bolsonarismo e escancarou as portas o presidente. Bolsonaro, que viu naufragar a criação do Aliança pelo Brasil, negocia sua filiação com outros partidos, mas tem esbarrado no pleito de ter carta branca para comandar a legenda.
Uma das opções na mesa é o PTB, partido originalmente fundado em 1945 por Getúlio Vargas, extinta em 1965 pela ditadura militar e refundada após o fim do bipartidarismo, em 1981, marcando uma cisão no trabalhismo brasileiro que resultou na criação do PDT.
Desde então, PTB vivia em movimento pendular, ora mais à direita, ora mais à esquerda, de acordo com o governo de ocasião. Desde o final do ano passado, contudo, decidiu agregar o trabalhismo ao conservadorismo cristão.
O primeiro capítulo do novo programa, em vigor desde novembro, aponta “caminhos para um estado mínimo necessário”. Também defende a privatização, indo na contramão do legado de Vargas, em cujos governos foram criadas estatais como a Petrobras.
Também houve uma mudança de símbolos: partido adotou as cores da bandeira nacional em seu logotipo e passou a ter como emblemas o leão e a leoa, que representam a família cristã.
A nova roupagem do partido vai na direção da persona assumida por Roberto Jefferson, que se notabilizou como membro da tropa de choque de Fernando Collor no início dos anos 1990 e por ter denunciado o mensalão do governo Lula, em 2005.
Nas redes, tornou-se um ardoroso defensor de Bolsonaro, mimetizando os apoiadores mais radicais do presidente. Publicou fotos armado com um fuzil, fustigou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e chegou a defender abertamente uma intervenção militar.
Com isso, tornou-se alvo de busca e apreensão no inquérito do STF que apura a disseminação de fake news. Teve as suas contas em redes sociais bloqueadas pela Justiça, mas retornou à cena pública virtual criando novos perfis.
Nas instâncias internas do PTB, o movimento mais brusco se deu a partir da eleição municipal, quando o partido buscou aproximar-se ainda mais do bolsonarismo por meio de alianças eleitorais.
Ainda antes da eleição, o PTB baixou uma resolução que proibiu coligações com partidos de esquerda, veto que se estendeu a PSDB e DEM.
O movimento teve resistência de parte dos líderes locais. Mas a direção nacional contra-atacou e expurgou do comando dos diretórios estaduais os políticos que não concordaram com a nova cartilha petebista.
Desde o final do ano passado, foram destituídos os presidentes de diretórios de São Paulo, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Maranhão, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Eles deram lugar a políticos alinhados a Bolsonaro.
Sem o comando dos diretórios estaduais, os principais líderes do PTB nos estados começaram a deixar do partido. Políticos sem mandato foram os primeiros a sair, caso do ex-senador Armando Monteiro Neto (PE) e dos ex-deputados federais Benito Gama (BA) e Alex Canziani (PR).
Monteiro deixou o PTB ainda em meio às eleições municipais, quando foi contestado após apoiar a deputada federal Marília Arraes (PT) no segundo turno da disputa pela prefeitura do Recife.
Em março deste ano, filiou-se ao PSDB. Em entrevista ao portal Congresso em Foco, justificou a troca de partido alegando que o PTB “começou a ter posições extremistas”, tornando-se algo mais parecido “com uma seita”.
Canziani também comparou o novo PTB a uma seita para justificar sua saída do partido em fevereiro. Sua filha, a deputada federal Luisa Canziani, permanece na legenda, mas deve sair na janela partidária.
Benito Gama, que chegou a ser presidente nacional interinamente no período em que Roberto Jefferson esteve preso, também deixou o PTB em meio às eleições de 2020.
O PTB havia aprovado o apoio à candidatura de Bruno Reis (DEM) à Prefeitura de Salvador, mas Roberto Jefferson ordenou que o diretório local apoiasse César Leite (PRTB), candidato bolsonarista. “Houve uma reação coletiva. Preferi sair e virar a chave”, afirma Gama, que era filiado há 17 anos.
Até mesmo deputados com mandato não esperaram a janela partidária e deixaram a legenda mesmo com a possibilidade de litígio na Justiça Eleitoral.
Um deles foi Campos Machado, 81, deputado estadual por São Paulo desde 1991. Fiel aliado dos governos tucanos, ele era filiado ao PTB desde 1988, mas deixou o partido em dezembro para filiar-se ao Avante. Na época, disse que não reconhecia mais o presidente nacional do PTB.
“O Roberto Jefferson que eu conheci há três, quatro meses é um ditador, de uma radicalidade incrível. É alguém que não tem nenhuma memória dos seus amigos mais leais, dos que estiveram com ele nos mais difíceis momentos”, disse.
Dos nove deputados federais em exercício do partido, ao menos sete devem sair até 2022. Um dos que já se desfiliou foi o deputado Pedro Lucas Fernandes (MA), aliado do governador Flávio Dino (PCdoB) que migrou para o PSL.
Ele perdeu o controle do diretório local do partido após votar a favor da manutenção da prisão do deputado federal Daniel Silveira, detido após determinação do STF. Da cadeia, o próprio Silveira assinou a ficha de filiação ao PTB.
A debandada inclui ainda o vice-governador do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior, que anunciou que deixaria o PTB após Roberto Jefferson atacar o governador Eduardo Leite (PSDB) com ofensas de teor homofóbico e criticar medidas de isolamento social.
O petardo mais recente de Jefferson foi disparado nesta terça-feira (18) contra o deputado federal Eduardo Costa (PA). Ele ameaçou o deputado de expulsão após este defender o projeto que autoriza o plantio de Cannabis para fins medicinais.
“Eu não vou rasgar minha história e meus princípios por causa de um posicionamento do partido [sobre a Cannabis] que nunca me foi colocado. Não tem motivo para eu ser expulso. Eu entrei no PTB pela porta da frente e gostaria de sair pela porta da frente”, diz o deputado.
A questão da Cannabis gerou uma discussão em um grupo de aplicativo de mensagens do partido, no qual Jefferson revelou ter se afastado da própria filha, a ex-deputada Cristiane Brasil, por ela ter posição favorável ao projeto.
Procurado sucessivas vezes nos últimos dias, Roberto Jefferson não atendeu aos pedidos de entrevista. A semana foi agitada: foi batizado na Assembleia de Deus e encontrou-se com Bolsonaro no Palácio do Planalto.
Entre uma agenda e outra, posou para uma série de fotos com arma em punho: “Vacina contra a tirania”, postou, enigmático, em uma rede social.
João Pedro Pitombo/Folhapress