O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), deve apresentar nesta sexta-feira (18) uma lista com 10 pessoas que vão passar da condição de testemunha para a de investigado perante a comissão.
Renan tem dito a outros senadores do grupo majoritário, formado por independentes e oposicionistas, que vai incluir o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Outros nomes já informados pelo relator a outros parlamentares são os ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), o ex-secretário-executivo da Saúde Élcio Franco e o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten.
Oficialmente, Renan afirmou que ainda está analisando os fatos nesta semana e que não há nenhum nome confirmado para se tornar investigado.
“Ainda não [posso adiantar nomes], porque estamos fazendo um detalhamento e é preciso fazer com muito critério para que mais adiante não venham alegar a nossa suspeição. Então estamos fazendo tudo a partir de métodos de estudo, se já veio depor, se não veio depor, para que a gente efetivamente comece uma nova fase de investigação”, disse nesta quarta-feira (16).
A mudança de status abre caminho para o relator pedir o indiciamento de um investigado em seu relatório final, a ser votado pela CPI. Ao mesmo tempo, dá garantias a essa pessoa, oferecendo transparência sobre sua condição e assim a possibilidade de exercer recursos de defesa.
Sob essa condição, ele não é mais obrigado a assumir o compromisso de falar a verdade perante a comissão, podendo mentir ou mesmo se manter calado, para evitar produzir provas contra si mesmo. Além disso, podem ingressar com pedidos de habeas corpus junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para paralisar a investigação ou mesmo anular futuros depoimentos.
A inclusão de Queiroga como investigado é um sinal forte de que o senador deve incluí-lo no rol de pedidos de indiciamento no relatório final.
“É o mesmo raciocínio que nós utilizamos em relação ao suprimento do despacho dos ministros que negaram a transferência de sigilo. Nós vamos refazer os requerimentos, apreciá-los, aprová-los e vamos fazer um aditivo à fundamentação que embasa a transferência desse sigilo. Então na sexta-feira nós vamos dar essas informações todas, pormenorizadas”, diz Renan.
Ao justificar para seus pares a inclusão de Queiroga, Renan tem afirmado que o ministro da Saúde deve ser investigado por manter a compra da vacina Covaxin, desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech.
A decisão foi mantida mesmo após decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de negar a concessão de certificado de boas práticas em março. A autorização do documento aconteceu apenas neste mês.
Além disso, a vacina é apontada como a mais cara. Os senadores abriram um novo foco de investigação, na qual apuram favorecimento do governo federal para a Precisa Medicamentos, representante da Bharat Biotech no Brasil.
O presidente da Precisa, Francisco Maximiano, foi convocado a prestar depoimentos, e os senadores também aprovaram a quebra de sigilos do dirigente.
Renan tem justificado sua decisão com base em documento que mostra Queiroga recentemente defendendo junto à OMS (Organização Mundial de Saúde) o diálogo com médicos que defendem o chamado tratamento precoce, com medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid.
Os membros da CPI afirmam que a mudança de testemunha para investigado tem sua importância mais ligada ao simbolismo do que a alterações substanciais. Na prática, traz até benefícios aos próprios investigados, garantindo mais direitos de defesa.
Em relação a Pazuello e Franco, pesam contra eles principalmente suspeitas de crimes de responsabilidade e prevaricação —quando agentes públicos se eximem de tomar medidas. O foco principal é a possível omissão do Ministério da Saúde durante o colapso do sistema de saúde de Manaus no início deste ano.
Em depoimento à CPI, o ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo afirmou que uma missão do ministério a Manaus teve um “enfoque” no tratamento precoce, com medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19, mais notoriamente a hidroxicloroquina.
Os senadores e o próprio Renan também acreditam que Wajngarten deve virar investigado porque há suspeitas em relação à contratação de agências de publicidade para financiar sites que propagam notícias falsas e tratamentos sem eficácia para o tratamento da Covid-19.
Em relação a Ernesto, o relator e outros senadores têm discutido que pesam contra ele, principalmente, a omissão na aquisição de vacinas contra a Covid-19, na obtenção de insumos insumos para as imunizações por causa da política externa ideológica, que promoveu atritos com a China, e também para conseguir oxigênio durante a crise de abastecimento em Manaus, na qual pessoas morreram asfixiadas. Ernesto teria ignorado ofertas para a obtenção do insumo na Venezuela
A decisão pode ser tomada de maneira monocrática pelo relator, sem a necessidade de votação, segundo uma fonte técnica da consultoria do Senado. No entanto, qualquer membro da CPI pode apresentar alguma objeção e uma questão de ordem solicitando que as mudanças sejam decididas pelo plenário do colegiado.
A tendência, segundo integrantes da cúpula da CPI, é que o plenário do colegiado acate os pedidos feitos por Renan, caso a questão seja votada.
Ao apresentar a lista na sexta-feira, Renan deve incluir os possíveis crimes cometidos pelas pessoas que se tornarão investigadas. Citam, além da mencionada prevaricação, crime sanitário e também desvio ou má utilização de recursos.
Em seu segundo depoimento à CPI, na semana passada, Queiroga mudou seu posicionamento em relação à hidroxicloroquina e afirmou que o medicamento não tem eficácia científica comprovada para o tratamento da Covid, em um contraponto às ações do presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia.
Foco da comissão, o governo Bolsonaro gastou recursos públicos e mobilizou a estrutura do Estado para incentivar o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada contra o coronavírus.
São remédios listados em nota informativa do Ministério da Saúde para o tratamento precoce. Tamiflu (fosfato de oseltamivir), cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina compõem o “kit Covid”. Apesar de afirmar que não há evidência de que funcionam, Queiroga disse que não vai revogar a nota.
O ministro também se absteve novamente de comentar as ações do presidente, ao não usar máscaras e promover aglomerações, mas externou sua insatisfação com essa postura em alguns momentos. Afirmou que não “é censor” do chefe do Executivo e que as “imagens falam por si”.
Renato Machado e Julia Chaib/Folhapress