Mercado doméstico destes dois países demanda mais do que a produção algodoeira dessas nações é capaz de fornecer
Após dois anos de reuniões virtuais, os cotonicultores brasileiros finalmente retomaram a interação presencial com atuais e potenciais clientes internacionais. Paquistão e Turquia foram os mercados eleitos para a primeira Missão Vendedores realizada pela Abrapa desde o começo da pandemia de Covid-19. Ambos estão entre os cinco maiores importadores de algodão do mundo. Juntos, os dois países foram destino de um quarto de todo a pluma embarcada pelo Brasil na última temporada, cada um com cerca de 12% das nossas exportações.
Ao longo da última década, além de receber representantes da indústria de diferentes países nas chamadas Missões Compradores, a Abrapa promoveu diversas Missões Vendedores, levando produtores brasileiros para conhecer o modelo de negócio e as necessidades dos principais destinos compradores de algodão no mundo. Nessas visitas, sempre são apresentados os números da cotonicultura brasileira e os programas desenvolvidos no país para incrementar a qualidade, a sustentabilidade, a rastreabilidade e a transparência nos dados de classificação instrumental de fibra, visando reforçar a confiança internacional.
A presença física, fundamental no processo de conquista de novos mercados e na consolidação do Brasil como segundo maior exportador mundial da pluma, ganhou novo impulso com o projeto Cotton Brazil, executado em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex- Brasil) e a Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea),com o apoio dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e de Relações Exteriores (MRE).
Com a Apex-Brasil e a Anea, conseguimos reunir, em Dubai, mais de 100 empresários do setor têxtil e de algodão do Paquistão. Foi uma oportunidade para networking e troca de informações. Ouvimos a indústria daquele país e compreendemos o que devemos fazer para melhorar nossa participação e valorização no mercado paquistanês.
O Paquistão é o quinto maior produtor mundial de algodão, logo atrás do Brasil, com 0,98 milhão de toneladas na safra 2021/22. Mas é, também, o terceiro maior consumidor global da pluma e o quarto maior importador de acordo com o Comitê Consultivo Internacional do Algodão (ICAC). Há uma disposição muito grande de expandir o parque fabril têxtil, com investimentos da ordem de US$ 5 bilhões em máquinas. A presença da Abrapa, por meio do Cotton Brazil, demonstra nosso interesse em sermos parceiros neste crescimento.
Já na Turquia, no começo deste mês, conhecemos duas regiões produtoras, visitamos oito grupos industriais, incluindo os maiores do país em consumo de algodão, ouvimos sugestões de melhoria e percebemos a satisfação daquele mercado e o uso crescente do algodão brasileiro – nos últimos três anos, o país quase triplicou as importações da nossa pluma.
Como o Paquistão, a Turquia tem produção local, mas não consegue atender o consumo interno – o país já é o quinto maior importador mundial, com 1,17 milhão de toneladas adquiridas em outros mercados, segundo dados do ICAC. Observamos, lá, o mesmo movimento de investimentos evidenciado no Paquistão, com muitas fiações sendo construídas e ampliadas e um enorme potencial de expansão de negócios com o Brasil.
A Abrapa tem no seu DNA o foco no mercado, tanto nacional quanto internacional. Não chegaríamos onde chegamos se não tivéssemos a visão do cliente. E essa visão precisa ser permanentemente calibrada, porque o cliente muda. As missões internacionais servem, justamente, para que possamos aprender com nossos atuais e potenciais compradores, entender o que vem pela frente em termos de tendências e demandas, quais regiões e produtos vão crescer mais e quais características da pluma estão sendo mais demandadas.
Naturalmente, o cenário pontual é de apreensão com a guerra na Ucrânia e seus impactos, até porque esses países dependem muito de energia do leste europeu, principalmente a Turquia. Uma crise energética certamente impactará muito o desenvolvimento planejado.
Por outro lado, sob o ponto de vista de médio e longo prazos, ficamos muito animados. O algodão está voltando com força ao guarda-roupa das pessoas no mundo todo. É um fenômeno que já tínhamos observado em números e, ao conversar com a indústria paquistanesa e turca, percebemos o quanto as marcas, as lojas e o consumidor final estão buscando peças que tenham menos impacto no meio ambiente. Nesse sentido, o Brasil está totalmente alinhado à demanda mundial: 84% da produção nacional têm certificação socioambiental. É um grande diferencial da pluma brasileira.
O que vimos e ouvimos vai de encontro à vontade dos produtores brasileiros de continuar ampliando a área plantada e produzindo de maneira consistente, com qualidade, sustentabilidade e rastreabilidade. Voltamos para casa seguros de que estamos no caminho certo, mas que precisamos continuar evoluindo. Traçamos uma agenda de prioridades que envolverá um trabalho conjunto entre produtores, pesquisadores, exportadores e governo, para que, juntos, façamos as mudanças necessárias para que o algodão brasileiro permaneça na vanguarda mundial.
*Júlio Cézar Busato é presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).
Fonte:Revista Globo Rural / Foto:Reprodução