Sobreviventes do deslizamento no Morro do Macaco Molhado contam como estão vivendo, após a tragédia de 2020

Em março de 2020, o deslizamento de terra no Morro do Macaco, em Guarujá (SP), deixou 10 mortos e 145 famílias atingidas pela tragédia

Há quase dois anos, moradores do morro do Macaco Molhado, em Guarujá, no litoral de São Paulo, viveram um dos momentos mais difíceis da sua história, uma tragédia, provocada pelas chuvas, marcou para sempre a vida de centenas de famílias, na noite do dia três de março, de 2020. 145 pessoas foram atingidas e perderam suas casas por causa do desabamento. Dez perderam a vida.

Depois de passarem um período abrigados em escolas e casas de parentes, hoje os sobreviventes do deslizamento do morro vivem com ajuda do auxílio aluguel, liberado pelo governo do estado e gestão municipal, que não é o suficiente para refazer suas vidas. De acordo com informação do representante do bairro, esta verba já vai ser cortada e eles ainda carregam as consequências do momento trágico, porque não conseguiram reconstruir seus lares.

 

Como estão as famílias atingidas

Segundo o Líder da Associação do Morro, Laércio Fiel da Silva, parte das famílias que perderam seus familiares foram embora da cidade,  algumas moram no morro e em outros bairros vizinhos. Laércio conta que a maioria ficou traumatizada, não só quem perdeu alguém da família, mas aqueles que apenas perderam suas casas também. “Tem muita gente que não quer nem subir o morro, devido ao cenário que encontrou quando aconteceu a tragédia. Há pessoas que precisam de ajuda de psicólogo, mas não estão sendo acompanhadas por profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS). Um rapaz, que ficou soterrado na geladeira e sobreviveu, não sobe mais na comunidade, ele fala que tem trauma.” Diz Laércio.

“Recentemente, nessa chuva que ocorreu no mês de janeiro, houve um novo deslizamento, de pequeno e médio porte no morro, e muitos acharam que estava acontecendo tudo novamente e já queriam vender suas casas. Eu fui dormir fora.” Declara Laércio.

 

Apoio da prefeitura e o auxílio aluguel

De acordo com informação do líder da Associação do Morro, Laércio da Silva, três dias depois do deslizamento foi que a prefeitura prestou assistência. Após os resgates das vítimas, a prefeitura municipal, junto com o governo do estado, fez um muro de contenção de barreira, finalizado há cerca de um ano. “Foi um trabalho bem realizado. Mas no morro ainda existem alguns lugares com risco de deslizamento e, inclusive, agora eu estava acompanhando um trabalho, onde tinha uma rocha que ela se desprendeu. Veio uma empresa, contratada pela gestão municipal, e quebrou essa pedra. Então, a benfeitoria que a prefeitura fez foi essa obra, que foi de suma importância para a comunidade.” Explica Laércio.

“Tenho contato com quase todas as famílias que perderam suas casas. A maioria se encontra em situação difícil, desempregada, pagando aluguel. Presto assistência com o auxílio, através do programa ‘Bolsa do Povo’, liberado R$ 200 pela prefeitura municipal e R$ 300 do governo estadual, que não dá para viver. O benefício seria   por um ano. Mas  a gente conseguiu a prorrogação por mais 12 meses e, agora, está prestes a encerrar novamente.” Frisa Laércio Fiel.

Relato de Moradora do Morro

 

A moradora do Morro, Gildene Carvalho, não perdeu a casa, mas precisou sair por alguns dias, a pedido da Defesa Civil do Estado. “Quando aconteceu a tragédia eu estava grávida de seis meses e recebi o aviso que eu teria que me retirar. A minha casa não desabou, porém, por prevenção precisei desocupar. Paguei dois meses de aluguel. Não tive auxílio de programas do governo municipal e estadual. Com quinze dias a prefeitura pediu para eu retornar, pelo fato da minha residência  não ter sofrido danos. Retornei cerca de dois meses depois do desabamento.” Narra Gildene.

“Não senti medo de voltar porque confiei na defesa civil, que olhou a residência e afirmou que não corre risco de desabar. Porém, quando chove eu, meu esposo e a minha família ficamos bastante apreensivos e vamos dormir no quarto da frente. Na última chuva, que ocorreu em janeiro, o meu marido já ficou com muito medo de um novo desabamento no morro.” Conta Gildene.

Momento da Tragédia

 

Ludimila Melo estava a caminho de casa quando o desabamento começou. O seu marido já tinha saído, por causa de um pequeno deslizamento, próximo da sua residência, que provocou a morte de uma mulher com um bebê. Ela lembra que a chuva era muito forte e que sentiu um tremor muito grande, na varanda de seu lar. Logo em seguida, foi para o andar de baixo e tentou sair, mas entrou um destroço pela janela da sala, então voltou e ficou abraçada com sua filha, quando acabou o barulho subiu novamente.

“Subiu um cheiro muito forte de gás e a parede estava tremendo. Só vi muita lama, telhados e caixas d ‘ água.  Consegui sair com meu marido e minha filha. Meus vizinhos nos ajudaram com uma escada. Na hora, fiquei com muito medo e pensei que não iria sobreviver. Já a minha prima perdeu a filha de 12 anos. Agora estou morando em outra casa, perto da antiga rua que morava, mas o trauma continua.” Descreve Ludimila.

O líder da Associação do Morro, que também é morador do local e que desde o primeiro dia da tragédia esteve presente prestando apoio aos moradores, nunca pensou que a comunidade passaria por um momento tão difícil. “A gente jamais imaginou que isso iria acontecer na nossa comunidade, com a nossa família. Se deparar com o que aconteceu foi um choque.” diz Laércio.

A associação do bairro prestou apoio a todo o momento, junto com Corpo de Bombeiros, Guardas, Polícia Militar, Defesa Civil, Voluntários e todo o pessoal que estava presente. “No início ainda não tínhamos noção da dimensão do acontecido e também da quantidade de vítimas, só a confirmação do desabamento, mas depois que as coisas foram fluindo, fomos caindo em si, então foi uma mistura de sentimentos, algo desesperador. Quando já estávamos perdendo a esperança de encontrar pessoas com vidas, encontramos um rapaz que estava soterrado, ele ficou dentro de uma geladeira, embaixo de mais ou menos dois metros de terra. Conseguimos achá-lo através de um gatinho, que também estava soterrado, próximo da vítima.” relata Laercio.

Texto e Fotos: Elinete Carvalho-jornalista