Produtores da Bahia foram os primeiros a romper a média de 4 mil kg por hectare. Agrônomos e produtor destacam os diferenciais do cultivo
Combinar as melhores técnicas de manejo, manter-se atualizado com as últimas tecnologias e, sobretudo, contar com clima favorável são indicativos de safra cheia. No entanto, lavouras com condições similares não têm, necessariamente, o mesmo desempenho. Ainda que a produtividade média brasileira esteja crescendo a cada safra, quem mais tem se sobressaído quando o assunto é rendimento médio de soja colhida é a Bahia. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), desde a safra 2020/21 o estado está à frente dos demais nesse quesito.
Na temporada retrasada, aliás, os produtores baianos conseguiram romper uma importante marca nacional: média de quatro mil quilos de soja por hectare. Foram 4.020 kg/ha, o equivalente a 67 sacas por hectare. Essa foi a primeira vez que o índice foi alcançado no Brasil desde quando se começou a computar dados agrícolas, no ciclo 1976/77.
Já na safra 2021/22, os sojicultores do estado ganharam por muito pouco dos mineiros: placar de 3.847 kg/ha (64,1 sacas) a 3.828 kg/ha (63,8 sacas).
Contudo, na temporada atual, as projeções apontam os nordestinos com mais “folga” na liderança. A previsão é de que a Bahia colha, em média, 4.121 kg/ha (68,6 sacas)*, enquanto em Minas Gerais o projetado é uma repetição do desempenho de 2021/22.
A respeito da área plantada e da produção na atual temporada, os números da Bahia são os seguintes:
– Semeadura em 1.919 milhão de hectares, incremento de 1,3% sobre o registrado em 2021/22;
– Produção apontada em 7.911 milhões de toneladas, 8,6% a mais do que o atingido na temporada passada.
Os números apontam que, realmente, os produtores baianos de soja estão sendo bem-sucedidos. Porém, de que forma?
O que a Bahia tem de especial? – Se hoje os índices de produtividade de soja na Bahia são superiores aos dos outros estados brasileiros, foi preciso muita resiliência dos agricultores que iniciaram o cultivo da oleaginosa há mais de três décadas. Nem todos seguiram em frente. O engenheiro agrônomo e pesquisador Luis Kasuya, que trabalha no Oeste baiano há 30 anos, conta que no final da década de 1980 e início dos anos 1990, os primeiros produtores começaram a chegar na Bahia.
“Nosso solo sempre foi muito pobre e extremamente arenoso, mas tem um agravante ainda maior: a região passa por veranicos, geralmente entre janeiro e fevereiro”, conta. Segundo ele, devido a essas condições e por ainda não existir, à época, tecnologias de mitigação, muitos produtores voltaram, desistiram. No entanto, com o passar do tempo, os primeiros consultores e engenheiros agrônomos chegaram na região para tecnificar a agricultura do estado.
“Esses profissionais perceberam que para suportar os veranicos e as altas temperaturas, associado com a pouca chuva registrada em alguns períodos do ano, era preciso fazer perfil de solo”, relembra Luis Kasuya.
Dessa forma, começou-se a colocar em profundidade ingredientes benéficos às plantas.
“Temos áreas na Bahia cujas análises de solo mostram níveis bons de nutrientes, principalmente cálcio e boro, em até 80 cm de profundidade. Desta forma, a planta não busca somente água, mas também nutrientes fundamentais que conseguimos disponibilizar às raízes mais para baixo”, explica o engenheiro.
Outros fatores positivos – O foco em cobertura de solo com gramíneas é outro ponto essencial à construção da fertilidade do solo, avalia Kasuya. “Fazemos isso muito bem aqui na Bahia”. Para ele, outro ponto que beneficia a região oeste do estado, onde a quase totalidade da produção de soja é concentrada, é a altitude. “A região está situada entre 750 a 1.000 metros de altitude. Isso significa que de manhã a temperatura é alta e à noite, esfria. Assim, a planta trabalha de dia e metaboliza o que ingere à noite. Como chove pouco, temos muita luz. Como passamos por muitas dificuldades, fomos aperfeiçoando o manejo”, considera.
De acordo com o engenheiro, que também é presidente da Kasuya Inteligência Agronômica e presta consultoria a produtores da região, o manejo integrado de pragas, doenças e ervas daninhas, bem como o de plantas de cobertura e a adubação de sistema são outras técnicas bastante exploradas na região. “O manejo fitossanitário feito na Bahia é muito intenso. Também estudamos muito a questão dos nematoides”.
Com toda essa metodologia de trabalho voltada ao aumento de produtividade, Kasuya acredita que os índices de rendimento médio de sacas de soja do estado continuarão os maiores do país.
“Logicamente que por termos uma área menor dedicada à cultura em comparação aos maiores produtores, como o Mato Grosso, é mais fácil liderar nesse quesito. Ao mesmo tempo, estados como São Paulo, Santa Catarina e os demais do Matopiba têm área menor e, mesmo assim, não possuem os mesmos índices da Bahia”, considera.
Mesmo com a provável incidência de El Niño na próxima safra, que costuma trazer tempo mais seco para o Norte e Nordeste do Brasil, o engenheiro acredita que a Bahia não será afetada a ponto de a produtividade ser comprometida.
“Já estamos nos preparando para esse El Niño fazendo perfil de solo, colocando palhada no sistema, escolhendo variedades que tenham maior tolerância a estresse e, também, selecionando o ciclo dessa variedade. Todas essas ações nos fazem, teoricamente, ter um ambiente mais propício à alta produtividade”.
Segundo ele, pelo fato de os estados do Centro-Oeste serem mais beneficiados pela chuva, não focam tanto em perfil de solo. “E é isso o que tem feito a diferença aqui”, conclui.
Crescimento de área, produção e produtividade – Nas últimas 30 safras, de 1992/93 para 2022/23, o estado atingiu os seguintes aumentos de área, produção e produtividade, conforme a Conab:
– Área: aumento de 405% (380 mil hectares para 1.919,7 milhão de hectares);
– Produção: incremento de 1.239% (590,9 mil toneladas para 7.911,1 milhões de toneladas);
– Produtividade: elevação de 165% (1.555 kg/ha para 4.121 kg/ha).
“Podemos observar que a relação área x produção x produtividade não caminha de forma diretamente proporcional. Crescemos em área a cada nova safra, assim como todo o país, mas não é um aumento tão pujante, como ocorre em alguns outros estados”, considera o gerente de Agronegócio da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Aloísio Júnior.
Para ele, o produtor baiano incorporou práticas que também foram assimiladas pelos agricultores dos demais estados, que é a adoção de pacotes tecnológicos, como biotecnologia, insumos com qualidade, agricultura de precisão e técnicas conservacionistas, como o plantio direto. Segundo o gerente, as restrições impostas pela natureza também servem como impulsionador para o crescimento da produtividade dos grãos no estado.
“Infelizmente, por questões climáticas, só podemos realizar uma safra cheia porque a maior parte de nossas áreas é em regime de sequeiro. Temos poquíssimas áreas irrigadas”, comenta.
Assim, Aloísio Júnior enfatiza que a janela climática do período chuvoso na Bahia, de novembro até meados de abril, precisa ser muito bem aproveitada. “O produtor se agarra a essa única oportunidade que tem e se esforça ao máximo para fazer o seu dever de casa muito bem feito”, destaca.
O produtor e sementeiro do município de Luiz Eduardo Magalhães, no Oeste da Bahia, Celito Missio, acredita que a biotecnologia é uma grande aliada do produtor do estado. “Porém, uma semente de boa qualidade, por si só, não garante nenhum sucesso no campo”. De acordo com ele, o produtor necessita ter preocupações muito antes de colocar as plantadeiras para operar em sua área. “Revisar as máquinas é fundamental. Hoje em dia existem empresas que fazem certificação de linhas de plantio, sendo que uma máquina possui mais de 25 pontos sensíveis que precisam ser ajustados para que ela possa funcionar corretamente”.
Missio acredita que a produtividade de soja na Bahia também se deve à atenção que o produtor do estado tem desde a colheita da última safra, distribuindo a palhada de forma correta. “Quanto mais matéria orgânica e palhada tiver e que possa ser dessecada a tempo e que seja muito bem preparada para o plantio, melhor”. Para o produtor, campo em ordem, plantadeira ajustada e monitoramento da semeadura são a chave para instalar uma safra de sucesso. “É preciso saber o que está acontecendo no campo naquele momento do plantio, como a questão da disposição horizontal das sementes. Se vou colocar dez sementes por metro, é preciso que cada uma esteja a dez centímetros de distância uma da outra”, explica. Ainda segundo Celito Missio, também não pode haver semente exposta, sem cobertura. “Semente muito profunda é outra questão que não pode acontecer em uma lavoura, já que ela demora muito a crescer nessa condição e não atinge a emergência necessária. É preciso ter plantas fortes, vigorosas e nascidas ao mesmo tempo”, contextualiza.
Exportação e volume negociado – Em 2022, o complexo soja respondeu por 53% das exportações do agro baiano, de acordo com a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura da Bahia (Seagri). Assim, os negócios envolvendo a commodity renderam US$ 3,42 bilhões, crescimento de 40,52% em relação a 2021. Os números de produção e produtividade de soja na Bahia são quase que totalmente vinculados ao oeste do estado, região que responde por mais de 99% da oleaginosa baiana.
* Dados Conab de 11/05 estimam produtividade de 4.020 kg/ha para safra 2022/23, que iguala recorde histórico, reafirmando liderança da Bahia.
Fonte/Foto:Seagri/Divulgação