Um dos motivos de irritação do presidente da CBF, Rogério Caboclo, foi não ter contado com apoio de Tite para conter a revolta dos jogadores quanto à realização da Copa América no Brasil. O cartola acreditava que o treinador lhe devia lealdade.
Isso, segundo pessoas ouvidas pela Folha, ligadas ao técnico e a jogadores da seleção, é desconhecer a personalidade e a maneira de trabalhar do treinador.
Desde que percebeu o descontentamento do grupo, Tite pediu aos atletas para não tomarem nenhuma atitude antes de terça-feira (8), quando a seleção enfrenta o Paraguai. Ele deixou claro que sua lealdade estava com seus comandados e o que eles decidissem, teria seu apoio. Mas isso apenas depois dos dois jogos pelas Eliminatórias.
Ao ser entrevistado após a vitória por 2 a 0 sobre o Equador, na última sexta (4), o volante Casemiro citou “hierarquia” para não dizer abertamente que os jogadores são contra jogar a Copa América. Tratou-se de uma referência ao pacto feito com o treinador.
A preocupação de Tite é porque sua prioridade é o Mundial. O torneio continental, vencido pelo Brasil em 2019, fica em segundo plano. Isso vai ao encontro também do que Casemiro disse, de que o confronto com o Equador “já era Copa do Mundo.”
Não está claro, nem para as pessoas mais próximas ao técnico e seus jogadores, o que ele pretende fazer. Dentro da sua filosofia, o elenco é o mais importante e a comissão vai seguir o que for decidido pelo grupo dentro de qualquer das duas possibilidades avaliadas: boicotar a Copa América ou disputá-la sob protesto.
Todos os 24 convocados para as Eliminatórias e integrantes da comissão técnica são contra a realização do torneio sul-americano.
Isso foi dito a Caboclo em reunião realizada antes da viagem para Porto Alegre. A Folha ouviu que a maneira de conversar do presidente, que tratou os atletas como se fossem subordinados da instituição, causou irritação ainda maior. A queixa se tornou uma disputa de proporções históricas na seleção.
Os jogadores não reclamam apenas da realização da Copa América no Brasil durante a pandemia de Covid-19.
Estão descontentes porque não houve diálogo com o elenco sobre a mudança de país. A competição estava prevista originalmente para ser dividida entre Argentina e Colômbia. Aproveitaram para se queixar também de terem de disputar o torneio um ano antes da Copa do Mundo, após uma temporada exaustiva e colada a partidas das Eliminatórias. Jogos que eles, assim como Tite, consideram muito mais importantes do que a Copa América.
Neymar manteve contato com lideranças de outras seleções para discutir um possível boicote à Copa América. O uruguaio Luis Suárez e o argentino Sergio Agüero estão entre os atletas que manifestaram receio de disputar o torneio no Brasil. Não há, porém, um consenso sobre o tema com líderes de outras seleções, como os equatorianos Enner Valencia e Airton Preciado.
Na sexta-feira (4), após a derrota para o Brasil, o zagueiro Arboleda disse que o assunto ainda está sendo discutido. “O mundo todo está muito difícil com a Covid. Mas não temos muito o que falar”, respondeu o são-paulino ao ser questionado sobre o tema.
“Meu capitão está tratando disso. É muito difícil, não só para os jogadores, muita gente está morrendo. A Conmebol tem que dar uma solução para nós”, afirmou o atleta do São Paulo
Nos últimos dias, Tite manteve seu hábito de imersão antes das partidas e pouco falar com o “mundo exterior”. Responde poucas mensagens via celular e busca se concentrar apenas no jogo que tem pela frente.
Ele já confessou, em conversas informais com atletas da seleção, que considera a Copa do Qatar seu maior sonho, principalmente depois da decepção da derrota nas quartas de final para a Bélgica, em 2018.
Segundo pessoas que conhecem o treinador, isso não vai acontecer a qualquer custo, principalmente se lhe for cobrado apoio político a causas ou pessoas que ele acredita não fazerem parte do futebol.
Como exemplo, um empresário de jogador da seleção cita a comemoração pelo título da Copa América de 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apareceu para levantar a taça e cumprimentar os atletas. Tite escapou de uma tentativa de afago do político, o mesmo com quem havia recusado se encontrar antes da final contra o Peru.
A meta de Tite é não deixar o grupo se distrair do objetivo de classificação para a Copa do Mundo, mesmo sabendo que todos os jogadores não suportam a presença de Caboclo. O cartola apareceu no Beira-Rio acompanhado do ex-jogador Cafu e de Juninho Paulista, este último coordenador de seleções da CBF.
Antes da partida, Caboclo cumprimentou o treinador encostando a cabeça na de Tite e passando a mão em seu rosto.
Após a vitória, ele fez um discurso inflamado no vestiário, como que tentando reafirmar sua autoridade. Para o seu assessor, um reserva da seleção classificou o comportamento do cartola de “bizarro”.
O futuro do técnico se tornou um dos assuntos mais discutidos dentro da seleção brasileira, mas ele não deu nenhum sinal se sua continuidade está atrelada ou não à permanência de Caboclo na presidência. O dirigente sofre pressões para renunciar após denúncia de abuso moral e sexual feito por uma cerimonialista da confederação.
Até agora, o cartola tem resistido. Manteve-se até mesmo com toda a coordenação da Copa América, apesar do esforço de dirigentes sul-americanos para tirá-lo dessa função e afastar o torneio dos escândalos da CBF. Uma preocupação que, segundo um dirigente paraguaio, fez com que até a Fifa ficasse em alerta com os últimos acontecimentos do futebol no continente.
Folhapress