O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, abriu a sessão desta quarta-feira (6) com um recado claro ao presidente Jair Bolsonaro sobre os ataques recentes ao Supremo.
Sem citar o chefe do Executivo, Toffoli lembrou de frase de Hannah Adendt e afirmou que a discordância com decisões da Corte deve ser expressada por recursos legais, não por agressões à corte.
“O poder que não é plural é violência. Na democracia, divergências são equacionadas nas vias institucionais adequadas, preestabelecidas na Constituição, a qual dita as regras do jogo democrático”, disse.
O ministro ressaltou que as “irresignações” contra decisões do STF devem ocorrer por meio previstos na legislação, “jamais por meio agressões ou de ameaça a esta instituição centenária ou a qualquer de seus ministros”.
O ministro cobrou, ainda, coordenação entre os entes das federações e os três Poderes. “É momento de harmonia, de equilíbrio e de ação coordenada entre as instituições e os Poderes da República”, disse.
A relação entre o STF e o Palácio do Planalto ficou abalada após o ministro Alexandre de Moraes suspender a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. Bolsonaro classificou a decisão como “política” e questionou se Moraes chegou ao Supremo por ser amigo do ex-presidente Michel Temer, que o indicou para o cargo.
“Eu não engoli essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não engoli. Não é essa a forma de tratar o chefe do Executivo. Tirar numa canetada, desautorizar o presidente da República com uma ‘canetada’, dizendo em impessoalidade? Ontem quase tivemos uma crise institucional. Faltou pouco. Eu apelo a todos que respeitem a Constituição”, disse o presidente.
Esta é a primeira vez que Toffoli faz uma defesa clara do colega de STF. Semana passada, ministros rebateram as afirmações de Bolsonaro, mas o presidente do Supremo havia se limitado a elogiar Moraes.
Nesta quarta-feira, o presidente da corte também se solidarizou com jornalistas que foram agredidos no último domingo (3) em manifestações de apoiadores do chefe do Executivo. Toffoli ainda não tinha comentado o episódio.
Leia a íntegra do discurso de Toffoli:
“Senhoras e senhores,
No último dia 3 de maio, em Brasília, profissionais de imprensa foram agredidos quando faziam a cobertura jornalística de uma manifestação política.
Foram agredidos os profissionais e foi agredida a democracia.
Lembro que, no dia 3 de maio, celebra-se o Dia da Liberdade de Imprensa. A data comemorativa foi definida pelas Nações Unidas em homenagem ao art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz:
‘Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.’
Trata-se, portanto, de data de elevada importância em um Estado Democrático de Direito, o que torna as agressões ainda mais lamentáveis e intoleráveis.
Por isso, em nome da Corte, gostaria de deixar registrado na ata desta 10ª Sessão Ordinária do Plenário, o nosso repúdio a todo e qualquer tipo de agressão aos profissionais da imprensa, devendo a conduta dos agressores ser devidamente apurada pelas autoridades competentes.
Sem imprensa livre, não há liberdade de expressão e de informação. Sem imprensa livre, não há democracia.
Desde a Constituição de 1988, temos assistido o contínuo avanço e fortalecimento das instituições democráticas brasileiras.
Devemos tais avanços, em grande medida, à imprensa, que amplia as fronteiras do acesso à informação e da livre expressão política, intelectual, cultural e científica.
Estamos enfrentando uma pandemia sem precedentes em nosso país, com reflexos dramáticos na vida de inúmeros brasileiros.
A imprensa tem realizado um trabalho de excelência em auxiliar nas informações necessárias à prevenção da sociedade.
Mais do que nunca, é momento de união.
Devemos prestigiar a concórdia, a tolerância e o diálogo, bem como exercitar a solidariedade e o espírito coletivo.
É momento de harmonia, de equilíbrio e de ação coordenada entre as instituições e os Poderes da República.
As divergências existem, pois elas são naturais na democracia. Como disse a filósofa Hannah Arendt –e como venho reverberando–, o poder que não é plural é violência.
Na democracia, as divergências são equacionadas pelas vias institucionais adequadas, preestabelecidas na Constituição, a qual dita as regras do jogo democrático.
Recordo que as irresignações contra decisões deste Supremo Tribunal Federal se dão por meio dos recursos cabíveis -jamais por meio de agressões ou de ameaças a esta instituição centenária ou a qualquer de seus ministros.
O Supremo Tribunal Federal é o guardião máximo da Constituição Federal e das leis. É a última trincheira da defesa dos direitos fundamentais e dos direitos humanos em nosso país.
Neste momento delicado de nossa história, esta Suprema Corte segue trabalhando arduamente, por meio de julgamentos à distância, priorizando a apreciação das questões relativas à pandemia.
Até há pouco, haviam sido registrados 1.660 processos e proferidas 1.473 decisões nesta Corte acerca da pandemia.
Desde o dia 12 de março, o Tribunal já julgou 3.319 processos colegiadamente, em sessões do Plenário e das Turmas.
Em sete sessões realizadas por videoconferência, o Plenário apreciou dezesseis referendos em medidas cautelares, todas elas relacionadas à pandemia.
Estamos trabalhando para garantir segurança jurídica ao país, a fim de que cruzemos esse momento dramático tendo como prioridade a defesa da saúde e da vida das pessoas, aliada à defesa do emprego e da capacidade produtiva.
Por isso, reitero o que afirmei, recentemente, neste Plenário: não há solução para as crises fora da legalidade constitucional e da democracia, ambas salvaguardadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Todos os Poderes da República e todas as instituições do Estado brasileiro devem atuar dentro dos limites da Constituição de 1988 e das leis do país e com total respeito aos valores democráticos.”
Folhapress
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