A produção da vacina totalmente nacional pela Fiocruz está sem cronograma de entrega nem contrato de transferência de tecnologia com o laboratório AstraZeneca assinado e carece de aprovação da planta industrial pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Tampouco há plano de ação para o caso de atrasos, segundo informou a instituição ao TCU (Tribunal de Contas da União), em documento obtido pela reportagem, em 24 de março, no processo em que acompanha a condução da pandemia pelo Ministério da Saúde.
Ao tribunal a Fiocruz respondeu que as medidas “ainda estão sendo desenhadas”. “O plano de gerenciamento de riscos está em fase de elaboração e sua primeira versão será emitida após a assinatura do contrato prevendo a transferência de tecnologia do IFA [ingrediente farmacêutico ativo].”
O contrato de transferência de tecnologia com o laboratório AstraZeneca deveria ter sido assinado no ano passado, mas foi adiado para fevereiro, depois abril e maio. Agora, está sem previsão, disse a Fiocruz na última terça-feira (20).
Todos esses fatores são necessários para que a instituição comece a fabricação do IFA nacional no Instituto de tecnologia em imunobiológicos (BioManguinhos).
A instituição disse ao TCU que a expectativa é que a planta industrial seja liberada ainda neste mês, possibilitando a produção dos primeiros lotes experimentais a partir de maio.
Nesse cenário, a previsão de produção e entrega das primeiras doses da vacina com o IFA produzido totalmente em BioManguinhos é que ocorra no segundo semestre de 2021.
“Essa projeção impossibilita a definição de um cronograma mais detalhado de entrega da vacina. Vale ressaltar que as doses produzidas somente poderão ser distribuídas após o deferimento de todo o processo de registro junto à Anvisa”, disse a Fiocruz.
“Uma previsão mais precisa só será possível após o início das operações”.
Inicialmente, a ideia era entregar as vacinas 100% nacionais a partir de agosto, somando 110 milhões de doses até dezembro.
Na quinta-feira (22), o diretor de BioManguinhos, Maurício Zuma, disse que a produção nacional da matéria-prima a partir do IFA importado terá um hiato de dois meses. Hoje, a Fiocruz depende da importação do insumo da China, que responde a uma grande demanda mundial.
“Não temos garantia de entrega nos meses de agosto e setembro. A produção do IFA nacional está apenas no começo, estamos ainda aprendendo como fazer essa produção e isso depende também da certificação da Anvisa”, afirmou.
A fundação diz que o contrato com a AstraZeneca encontra-se em negociação porque acordos deste tipo “envolvem questões de natureza comercial, técnica, de propriedade intelectual e de direito público e internacional, que normalmente são bastante complexas”.
“Estamos trabalhando para assinatura no menor prazo possível, mas ainda não temos uma previsão final”.
A Fiocruz não diz os valores específicos do contrato e afirma que estão em negociação. O valor fechado para a encomenda tecnológica, que permitiu o recebimento do IFA e a transferência de tecnologia custou R$ 1,3 bilhão.
Outro fator que interfere no cronograma é a liberação da planta industrial de BioManguinhos. Segundo a fundação, a Anvisa irá ao local nesta semana para a obtenção do certificado de Condições Técnico-Operacionais. Só a partir disso, ela estará autorizada a iniciar as operações com agentes biológicos na área.
A Anvisa respondeu que a data de inspeção na fábrica está programada para o período de 26 a 30 de abril para verificação das Condições Técnico Operacionais (CTO), mas que “não é possível antecipar resultados ou pendências de uma inspeção que ainda vai acontecer”.
Segundo a Fiocruz, também será preciso todo um processo de preparação para a produção inicial dos lotes de pré-validação da vacina. Após isso, serão produzidos lotes de validação e então lotes comerciais. Finalmente, será necessário dar entrada, na Anvisa, em documentação para alterar o local de fabricação do IFA.
Apesar disso, a Fiocruz afirmou que por ora a situação não provocou atraso na previsão de entrega das vacinas, “uma vez que mesmo durante as negociações as informações técnicas estão sendo repassadas em paralelo”.
A Fiocruz chegou a pedir ajuda à área internacional do governo Jair Bolsonaro (sem partido) para destravar a importação dos insumos necessários à produção dos primeiros lotes de imunizantes.
O IFA só chegou ao Brasil a partir de 6 de fevereiro, mais de dois meses após o governo chinês receber a documentação da Anvisa. As primeiras vacinas ficaram prontas um mês depois disso.
A AstraZeneca afirmou que a transferência da tecnologia necessária para que a Fiocruz e o instituto BioManguinhos façam o processamento final da vacina acabada foi objeto do termo de encomenda tecnológica firmado entre as empresas em 8 de setembro de 2020.
Já a negociação para assinatura do contrato para a transferência de tecnologia necessária para a produção do IFA, segundo o laboratório, “está em andamento e deve ser concluída em breve”.
“A AstraZeneca está trabalhando diariamente para viabilizar a transferência de tecnologia para produção do IFA o mais rápido possível. A AstraZeneca atua há mais de 20 anos no Brasil e segue com o compromisso contínuo de investir no país”, afirmou.
O Ministério da Saúde, que tem a parceria com a Fiocruz e a AstraZeneca para a transferência de tecnologia do imunizante no país, foi alvo de críticas no mês passado por ter revisto seis vezes o cronograma de entregas para os meses de março e abril.
Inicialmente, a conta passou de 47,3 milhões para 25,5 milhões. O ministro da saúde, Marcelo Queiroga, defende que a pasta tem asseguradas 30,5 milhões de doses para este mês, mas as duas produtoras, a Fiocruz e o Instituto Butantan, afirmam ter previsão para 29,2 milhões de doses, sendo 19,4 milhões são da Fiocruz.
Constança Rezende/Folhapress