O Brasil pode perder de US$ 430 milhões a US$ 500 milhões (R$ 2,270 bilhões a R$ 2,640 bilhões) em exportações para a Arábia Saudita por causa da suspensão, anunciada na semana passada, de 11 estabelecimentos exportadores de frango, segundo cálculos preliminares do governo brasileiro.
A situação pode piorar ainda mais se o reino saudita mantiver a decisão, anunciada em 6 de maio, de reduzir de 1 ano para 3 meses a validade dos frangos exportados, o que pode inviabilizar parte das vendas brasileiras para o país.
O Itamaraty e o Ministério da Agricultura estão engajados em gestões diplomáticas na tentativa de reverter o que encaram como medidas protecionistas.
No caso das plantas desabilitadas, o país alegou que havia contaminação de agentes microbiológicos. No entanto, a Arábia Saudita contrariou a prática de primeiro alertar as autoridades sanitárias do país exportador e fornecer detalhes sobre o problema, e só depois suspender as importações.
Os sauditas suspenderam as compras em 6 de maio e enviaram nota diplomática só depois, sem especificar qual é o agente microbiológico nem as providências poderiam ser tomadas para normalizar as vendas.
Além disso, duas das plantas banidas nem ao menos exportam para a Arábia Saudita. A suspensão passa a vigorar a partir de 23 de maio.
A desabilitação dos exportadores e a decisão de reduzir o prazo de validade não são ações pontuais. Em 2016, a Arábia Saudita, com liderança do príncipe Mohammed bin Salman, governante de facto do país, lançou o Visão 2030, um programa de modernização do reino. Entre as metas do programa está atingir 85% de autossuficiência na produção de frangos até 2025, segundo documentos do governo saudita.
Desde então, os sauditas implementaram várias medidas que dificultaram as exportações do frango brasileiro —impuseram licenças de importação, elevaram a tarifa de importação de 5% para 20%, desabilitaram plantas. Em uma ocasião, baniram plantas exportadoras e deram como motivo uma operação da Polícia Federal —sendo que alguns dos exportadores sequer haviam sido citados na operação.
Para integrantes do governo brasileiro, os sauditas vêm se valendo de subterfúgios para barrar as exportações do frango brasileiro, que é muito competitivo, mais barato do que o produzido localmente.
Entre 2015 e 2019, as exportações brasileiras de frango para a Arábia Saudita encolheram 41%, segundo informação do Ministério da Agricultura.
Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), faz a ressalva de que parte das exportações perdidas por causa da suspensão das plantas pode ser redirecionada para Irã, Iraque e Egito, outros países que também compram frango halal (abatido seguindo preceitos islâmicos). Mas o redirecionamento leva tempo, e pode haver queda na produção das plantas e na rentabilidade, diz Santin.
“Entendemos que os sauditas queiram buscar a autossuficiência, mas que façam isso dentro das regras da OMC [Organização Mundial do Comércio], e não usando subterfúgios para impor medidas protecionistas escancaradas”, afirma.
O Brasil é o maior exportador mundial de frango, com 4,2 milhões de toneladas em 2020, seguido por Estados Unidos e União Europeia. A China é o maior importador de frango do Brasil, absorvendo 16,3%, e a Arábia Saudita é o segundo maior, com 11,3%
No caso do prazo de validade, o encurtamento de 1 ano para três meses pode inviabilizar a exportação, segundo integrantes do governo brasileiro. Isso porque a exportação do frango, desde a saída da granja até a chegada na Arábia Saudita, passando por liberação de contêiner no porto e transporte até as gôndolas dos supermercados, pode levar até dois meses.
Alguns importadores podem chegar à conclusão de que não vale a pena comprar o produto que vai vencer em um mês. Segundo Santin, seria necessário uma logística perfeita, sem espaço para nenhum imprevisto, para a exportação não ser inviabilizada.
A praxe em todo o mundo é uma validade de 1 ano para frango.
O Brasil tem até 5 de julho para apresentar comentários sobre as medidas sauditas. O governo brasileiro já fez várias reclamações, chamadas de preocupações comerciais específicas, junto ao comitê de medidas sanitárias e fitossanitárias da OMC. Mas o comitê não tem poder vinculante.
Também houve conversas na embaixada saudita em Brasília e com autoridades em Riad —mas, segundo participantes, os sauditas foram evasivos e não deram detalhes sobre os motivos da suspensão dos frigoríficos.
O próximo passo seria abrir um painel na OMC para denunciar as práticas protecionistas que representariam violações às regras da entidade. No entanto, na opinião de exportadores, esse seria um passo muito extremo.
O governo brasileiro também teme gerar consequências para outras áreas da relação bilateral, já que fundos soberanos sauditas são grandes investidores no Brasil.
Uma outra opção seria recorrer à diplomacia presidencial. O presidente Jair Bolsonaro visitou a Arábia Saudita no fim de 2019 e tem boa relação com Mohammed bin Salman. A possibilidade de um telefonema de Bolsonaro ao príncipe ou a seu pai, o rei Salman, é discutida. Mas exportadores e membros do governo brasileiro acham que ainda é cedo para queimar esse cartucho, e esperam que negociações resolvam o impasse.
Segundo dados do Ministério da Agricultura, o volume médio de carne de frango exportado nos últimos 12 meses pelas 11 plantas suspensas somadas foi de aproximadamente 25 mil toneladas por mês (sendo que duas delas não venderam para o país no período).
Ainda segundo o ministério, elas representam, em média, 63% do total exportado para o reino.
Patrícia Campos Mello/Folhapress